sábado, 8 de agosto de 2009

Jorge Antunes - Música Eletrônica - Brasil - 1975

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Com muito orgulho apresento aqui um pouco do momento pioneiro
do compositor Brasileiro Jorge Antunes.
Seu trabalho é motivo de muito orgulho para nós Brasileiros amantes
da música de vanguarda e revolucionária.
Saibam que estão diante do primeiro disco de Música Eletrônica produzido
e lançado no Brasil. Só isso já seria um excelente motivo para culto.
Mas nosso país possui a séria tradição de não ter tradição.
De ignorar a obra e a vida de pessoas que não se enquadram dentro
da estrutura mercadológica de domina nossa cultura.
Jorge Antunes é um bom exemplo de alguém que resolveu esquecer
tudo isso e criar seus próprios veículos de divulgação e de lançamento
seu trabalho. Isso muito antes da internet.
Ele resolveu ser independente e ignorou os "DEPENDENTES".
Segue abaixo o texto publicado na contra-capa do LP.

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Hoje a internet nos dá essa possibilidade de ter a própria voz, mas, mesmo
descobrindo essa possibilidade de liberdade, a maioria das pessoas ainda
preferem a dependência de precisarem pensar ou sentir dentro de moldes
sociais e não particulares.
Em 1975 esse não era o caso do jovem brilhante e contestador Antunes.
Para entender melhor e matar algumas curiosidades, resolvi procurar
o próprio que foi altamente atencioso em colaborar com nosso blog.
Segue a entrevista.

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PB: Antunes, você com certeza já construía seus instrumentos e
equipamentos e produzia suas gravações e composições desde o
final dos anos 50. Como aconteceu a oportunidade de gravar seu
primeiro disco "Música Eletrônica" em 1975?
Era algo que você almejava muito?
Eu gostaria que você contasse tudo que você se lembra sobre quem
se interessou a lançar o seu trabalho e quais motivações você acha que
essa pessoa tinha?

JA: Na verdade, não foi no final dos anos 50 que comecei a construir equipamentos
para fazer música eletrônica: foi no início dos anos 60. Foi, mais exatamente,
em setembro de 1961, quando construi um teremim, um gerador de ondas
dente-de-serra e um reverberador de mola.
Saí do Brasil em março de 1969, depois da demissão no IVL e depois de muitas
perseguições do regime militar, após o AI-5 de dezembro de 1968.
Voltei ao Brasil em junho de 1973 e, a partir de então, comecei a buscar
gravadoras que pudessem se interessar em publicar o primeiro disco
brasileiro de música eletrônica.
Mandei cartas para a Continental, a Copacabana, a WEA, a Mangione, a Padrão,
a Musidisc, a Gaetani, a RGE/Fermata, a Chantecler, a Everest, a Pawal, a Top Tape,
a CBS, a Phillips, a RCA e a Odeon.
Acompanhando cada carta enviei um carretel de fita de rolo,
com as minhas músicas eletrônicas.
Foi um ano de espera. Recebi 15 cartas negativas e, ... milagre, uma positiva.
Era a carta da gravadora Mangione Discos.
Foi assim que saiu o disco.
Vim a saber, mais tarde, que o Sr. Mangione havia pedido opinião do
Francisco Mignone, pois este já tinha discos publicados pela Mangione.
Mignone deu apoio a meu pedido, recomendando fortemente a edição ao Sr. Mangione.


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PB: Me diga, como foi a reação do público?
Quem eram os consumidores deste LP na época?
Chegou a ser vendido em lojas convencionais?
Foi recuperado o investimento ou isso não era uma preocupação?
Essas perguntas interessam mais aos colecionadores de discos, por isso, não estranhe.

JA: Os consumidores eram poucos. Na época saiu uma matéria e entrevista comigo,
sobre o disco, em página inteira da revista Veja. Mesmo assim vendeu muito mal.
Chegou a ser vendido, sim, nas lojas comerciais, pois a Mangione tinha boa distribuição.
Não sei qual foi a tiragem e não sei se houve recuperação do investimento.
Mas, creio que houve.
Um fato pitoresco conto a seguir.
A Mangione conseguiu vender 120 exemplares ao Itamaraty, através do
Departamento Cultural que era dirigido na época pelo Celso Amorim, atual Ministro de
Relações Exteriores. A intenção era distribuir o LP a todas as Embaixadas do Brasil no
exterior, para divulgação. Mas eu soube, anos mais tarde, que quase todos os discos
chegaram quebrados às Embaixadas. O funcionário que cuidava dos envios pela mala
diplomática não fazia nenhuma embalagem especial para os discos.


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PB: Fale-me um pouco sobre a capa. Os grafismos sugerem uma partitura.
Era de fato, ou apenas uma arte sugerindo feita por Joselito?
Alguma história sobre a foto? Foi produzida especialmente para o disco ou já existia?

JA: A capa foi feita pelo Joselito. Esse era um profissional capista, que era muito
conceituado no meio. Ele fazia capas para várias gravadoras. Os grafismos são
estilizações que ele fez a partir de notações musicais da partitura de Cinta Cita,
música eletrônica que está no disco. Essa música, se não me engano, é a única
música eletroacústica brasileira para a qual se fez partitura. Tenho ela ainda hoje,
que se encontra disponível na Editora Sistrum (sistrum@sistrum.com.br).
A foto foi feita pelo próprio Joselito especialmente para o disco.
Posei em seu estúdio no Rio de Janeiro.


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PB: Quais eram as suas expectativas em relação ao lançamento?
Era um momento em que as pessoas estavam mais dispostas e abertas
e viam a música eletrônica como algo revolucionário, ou as dificuldades
de se trabalhar com essa linguagem eram ainda maiores?

JA: Não houve um lançamento oficial, como tradicionalmente se faz.
Saiu o disco, foi distribuido, e pronto.
Na época a Mangione tinha representantes em diversos estados,
que trabalhavam a distribuição de loja em loja.
Sim, as pessoas viam tudo como algo revolucionário.
Acho que foi por isso mesmo que não houve muito consumo.
Houve, sim, muita badalação na imprensa.
Páginas inteiras de jornais, na seção de Cultura, foram ocupadas
por matérias e entrevistas: Correio Braziliense, Veja, Estadão, Folha, o Globo e JB.


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PB: Qual a importância desse disco como divulgação de suas obras
para a sua carreira?
Portas se abriram por ser o primeiro a ser lançado com esse tipo
de conteúdo no Brasil?

JA: Não percebi e não percebo qualquer importância, no disco, para minha carreira.
Portas não se abriram. Acho que foi assim simplesmente porque não existiam portas.
Se houvessem, elas se abririam. Naquela época, tal como hoje, só existiam janelas.
Janelas, panelas, janelinhas, panelinhas.
Tal como hoje, os protegidos pelo sistema entravam pela janela.
Em 2002 pedi, na ABIN, meu habeas-data.
Ao receber li apavorado que o SNI seguia meus passos sempre, desde 1965 até 1988.
O habeas-data está reproduzido, como apêndice, no livro do Gerson Valle intitulado
“Jorge Antunes, uma trajetória de arte e política”.

No disco estão obras que eram consideradas “subversivas”.
Tentei disfarçar, por meio da auto-censura.
Observe que no disco duas das músicas têm, no final dos títulos,
as breviaturas: BRLXX3 e VRSBR73.

BRLXX3 quer dizer, veladamente, como código secreto: Brasil 1973.
VRSBR73 quer dizer, veladamente, como código secreto: Versão Brasil 1973.

Então, os títulos estão assim:

HISTÓRIA DE UN PUEBLO BRLXX3 - Essa é uma versão auto-censurada de minha obra
“História de un pueblo por nacer o Carta-abierta a Vassili Vassilikos y a todos los pesimistas”.
No final da obra original existe um cânone com a primeira frase d'A Internacional.
Na versão incluída no LP eu cortei esse trecho.

AUTO-RETRATO SOBRE PAISAJE PORTEÑO VRSBR73 -- Essa é uma versão auto-censurada
de minha obra “Auto-retrato sobre paisaje porteño”.
No final da obra original eu uso um discurso, com minha voz, em que eu faço
um jogo fonético com as palavras Geral e General, como referência aos Generais
que mandavam no Brasil na época. Na versão incluída no disco eu que cortei esse trecho.

Será interessante comparar a versão que está no disco LP de 1975, com a versão original que,
hoje, já pode ser ouvida na Internet, no site:
http://www.americasnet.com.br/antunes/auto-retrato/


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Agora um pouco de Jorge Antunes falando sobre sua preciosidade presente na foto acima:
JA: O meu EMS SYNTHI A está funcionando maravilhosamente.
Comprei em Londres em 1971.
Ele pifou em 1980, num incêndio no apartamento em que eu morava na 107 Norte.
Meu filho Mauritz, então com 9 anos de idade, ateou fogo numa cortina,
e meu escritório lambeu. Partes do sintetizador derreteram: botões, diodos, pinos etc.
Em 1982 fui a Londres e comprei as peças para recuperação.
Deu tudo certo. Em 1986 um curto-circuito interno, com uma perna de um diodo
encostando no tampo metálico do fundo, fez derreter de novo alguns componentes.
Em 2005 tive um projeto de espetáculo (Speculum Brasilis) aprovado nos CCBBs
do Rio e de Brasília, em que eu pretendia usar o Sintetizador analógico,
junto com meu lap-top com Pro-Tools e GRM-Tools.
Encontrei o endereço do Robin Wood em Londres. Ele era o fabricante dos EMS.
Por e-mail ele me instruiu. Desmontei e enviei as duas placas para ele por correio.
Dois meses depois me devolveu com tudo consertado.
Não posso me desfazer desse meu amor. É uma de minhas paixões.


Segue abaixo um bom exemplo da postura de Antunes resistente ao
modus operandi do mercado fonográfico e a relação do artista com
os críticos e jornalistas.
Essa carta foi encontrada dentro de uma cópia do LP citado na mesma.

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Todas as imagens deste post que não aparecem na capa do LP
foram extraídas do livro abaixo que pode ser comprado no site da SISTRUM.

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Tracklist:
01 - HISTORIA DE UN PUEBLO (BRLXX3)
02 - CINTA CITA
03 - AUTO-RETRATO SOBRE PAISAJE PORTEÑO
04 - VALSA SIDERAL
05 - CONTRAPUNCTUS CONTRA CONTRAPUNCTUS

novo link para download 2015

10 comentários:

Unknown disse...

Vc acabou de pstar o que foi, na minha opinião, o melhor post do seu blog.
Tive a oportunidade de ver um show do Jorge Antunes no Centro Cultural da Caixa aqui no Rio há dois anos atras ( ou ano passado, sei lá).
Esse disco é de fato ótimo e não deve nada aos grandes discos de eletrônica clássica da década de 60.

Parabéns ao Jorge pelo trabalho, e parabéns pela entrevista!

Valeu, PB!

pb disse...

Obrigado mais uma vez pela atenção, Rafael.
Aguarde que tem ótimas coisas na fila para serem postadas.

Anônimo disse...

Fantastic post. Thank you. Your blog is terrific.

Eduardo Verme disse...

Puta merda cara, fantástico!!!!!!!!
Jamais imaginei encontrar uma raridade dessas na internet. Achei por acaso, atrás de outra interessantíssima piração, o lp do "Conde e Drácula", impagável xD

Valeu mesmo! Virei fã do blog!!!

cra disse...

foda.

Renato Pop disse...

fodástico esse disco.é muito difícil achar a obra de Jorge Antunes na net e eu fico muito feliz de ter encontrado essa maravilha.só tinha conseguido achar o NO SE MATA LA JUSTICIA! e agora achei esse disco também.se puder poste mais coisas dele.

Enaldo Soares disse...

Este post deveria ser publicado como artigo acadêmico

Augusto TM disse...

E aí, PB, grande postagem, heim?
Cara, cheguei ao seu blog através do Jorge Antunes, que eu vim a dar atenção quando fuçava no site Ubu Web (que por sinal eu recomendo). Foi lá que eu descobri essas gravações do Jorge Antunes, mas não esperava encontrá-lo em disco. Ao digitar o nome do artista, tive a grata surpresa de cair aqui no seu blog. Muito bom, mesmo! Eu pensava em postar esse disco no meu blog, mas acho que você o fez de forma exemplar. Por isso, ao invés de postar o disco, quero convidá-lo a fazer uma seleção de eletrônicos nacionais (Jorge Antunes, Renato Mendes e outros na mesma categoria e raridade).
Como é, vai encarar? :)
Fico aguardando sua resposta. Me escreva, toquelinkmusical@gmail.com
Aproveito para incluir o link do seu blog na lista do meu.

Augusto TM

Anônimo disse...

Acho que vocês encerraram o blog né? Uma pena :/


Se alguém tiver um link que esteja funcionando dessa obra, seria bacana

Raquel (?) disse...

Alguma alma caridosa teria outro link dessa obra? :(

 
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